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sábado, março 29, 2008

NADA SENDO SEMPRE - Odemar Leotti

Sou nada, por isso sou sempre. Sempre sendo no nada alguma coisa. Do nada ao tudo, ao múltiplo. Às lágrimas e aos sorrisos. No bar, na solidão do quarto, na rua sozinho escondendo as lágrimas da multidão que não me vê. Sorrindo pelas ruas ou gritando para ser ouvido no sonho quimérico de transformar o mundo. Sozinho me transformo em nada novamente. Sentado na calçada inerte vendo múltiplos passos. Uns apressados e outros lentos. E eu ali sem nada de novo.
Nada esse oceano desértico de onde frutifica fluxos de vidas, vidas magras, vidas gordas. Ali naquele deserto a chuva cai e as palavras renascem, se miram umas nas outras e se fazem em sintaxes do que sobrou. Aquele corpo se apóia: um órgão em outro órgão. O pensamento anima o corpo. A mão se ergue e se apóia nos joelhos. O rosto faz uma miragem final na paisagem e os olhos aparecem em cena como que meio cético meio irônico. Balanço do que sobrou de mais uma nascividade morta. Nascer é o que resta disso tudo. Vai erguendo aquele corpo cada vez mais denso. Cada vez mais roto pelo tempo. Vai ele fazendo nós e pontilhados. Vai ele enfiando as linhas na agulha e cruzando pontos e enredando novos passos. Por enquanto quer sentir a respiração e dar passos e pensar no percurso. Vai lá o corpo que anda. Ainda anda...
O nada se faz no caminho sem tempo de sentar solo. Novas territorialidades vão se formando. Elas nascem e são redirecionadas pelo oceano devastador da máquina do Estado. A máquina de guerra assopra-se em suas poeiras do tempo. Máquina de guerra dizimada pelo discurso plebeu. Ser bom era o que não queria. Se jogar na aventura. Algemas ou picaretas é o que sobrou. Aquebrantar a dor para melhor suportar o peso das pancadas nas pedras para ganhar o pão ou suportar a frieza do aço das algemas. Aços da enxada que não faz a terra devolver alimentos para ele ou sentir o tilintar duro da trava das algemas: eis o que restou ao homem que vive sob o peso, as abstrações que nunca se desvelaram em liberdade e inventou a prisão. O corpo anda assim mesmo.
De nada sairá múltiplas coisas. O nada é o lugar do tudo. Tudo pode acontecer, estamos na era do nada. Da superação da incerteza plantamos o incerto direito de viver. Da tentativa de superação do medo transformamos o mesmo em mercadoria. Da tentativa de buscar a igualdade plantamos a uniformidade destruidora. Da tentativa de busca da fraternidade destruímos toda multiplicidade cultural que fazia o mundo com muitos sendos a pulsar. Agora o que nos resta? Homens desapegados de si mesmos. Homens sem qualidade a inventar formas de sobrevivências. Sem comunidades, individualizados, perdidos, emancipados e com os corações petrificados. Da busca da eternidade final ao homem sobrou a procrastinação eterna de um dia que nunca chegou. Consumindo de forma infatigável vai vivendo nessa quimera da felicidade líquida que se faz e desfaz e se transforma numa pilha de carnês. Entre uma solidão há um espaço do vazio monocórdio, a droga é a fuga. A fuga de um nada não criativo: eis o que restou.
Fragmentos se formam como células desgarradas e vai dando pulsações como a batida do coração. São fluxos fragilizados, mas ainda fazendo valer um mínimo de fertilidade. Sintaxes mutiladas vão compondo novas escritas. Rizomas feitas como uma colcha de retalhos. Ali se juntam o que sobrou de tantos sonambulismos fantasmagóricos. Juntam-se a fábulas silenciadas, a subjetividades sufocadas. Novos enredos vão compondo uma canção que permite de novo a dança. O homem volta a dançar a canção de um outro tempo. O nada se fertiliza em mil coisas. Rizomas e canções constroem uma forma de pertencimento. Novas territorialidades despontam no ar.
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