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sábado, novembro 13, 2010

FALTA-NOS TANTO A VIDA, QUANDO SE FALA TANTO EM PROGRESSO

FALTA-NOS TANTO A VIDA, QUANDO SE FALA TANTO EM PROGRESSO

Odemar Leotti

O título desse texto é uma paráfrase do início da introdução de Teatro e seus duplos, da autoria de Antonin Artaud. Na década de 30, do século XX, ele dizia que falta-nos tanto a vida quando se fala tanto em civilização. Hoje, poderíamos dizer que ela nos foge e se confunde com um novo formato do conceito de progresso, esse mesmo progresso que seria o caminho a ser construído para salvar todas as culturas classificadas, numa construção positivista, como atrasadas, e da necessidade de dar-lhes vida, que somente seria possível através de sua evolução ao patamar das tão sonhadas nações civilizadas.
Vida: concepção arrancada do nada para se alojar nas palavras e instaurarmos-nos na sensação de nossas subjetividades. Para construir nossa flutuação e possibilitarmos nossa barcaça sobre esse oceano das coisas inatingíveis. Cada qual, cada grupo, casa, sociedade se junta e se entendem e desentendem, se impõem regras, excluem e incluem no afã de se entender fazendo a vida florescer. Se subjetivar nas raias de nossos sentimentos ou ter que aplacar a dor de sermos obrigados a navegar nas formações que nos roubam o espaço dos desejos, ao senti-los mapeados pelo conjunto de regras de uma guerra tornada política e seus poderes tornados fortes e positivados pela positivação de uma vontade de verdade formatadora e instaurada em sua função de episteme. Daí tornarem-se ementas e determinar grades para as formas desejantes, eis o passo do que vemos com tanta inocência e sonambulismo. De resto, ficam os desarranjos produzidos e nossa angústia para deles nos desvencilhar ao termos que enfrentar os dragões que vigiam as portas do nosso encontro com nós mesmos, esse lugar em que fazemos estrangeiros.
O que nos faz separar vida de cultura? Porque aprendemos que existe sociedade de um lado e cultura dela separada, ou sendo vista como seu subproduto? De que forma essa maneira de sentir as coisas nos comanda. O que pode fazer coincidir cultura e vida. O conhecimento foi feito para que seja cultuados e a imposto como conteúdo através dos dispositivos educacionais tais como acontece em nossa realidade educacional? Ou o conhecimento deve ser algo com o qual nos arregimentamos para poder cultivar a vida, tal como as saberes de um agricultor no seu trato na produção de uma cultura agrícola visando o cultivo da planta para com ela cultivar o corpo dos seus convivas: da sua família, da sua comunidade, do seu município, do seu estado ou país? Então por que sentimo-nos na arrogância de um saber erudito e ao invés de ajudar os aprendizes a formar uma leitura que o localize para constituir-se como livre espírito do caminhar, o impomos um conhecimento que determina a verdade prescritiva do seu passado, do seu presente e lhe ensina para onde vai, engessando qualquer possibilidade da criação do novo? Paramos um segundinho para olhar para traz e observar algo estarrecido, de que estamos construindo uma forma de saber que se parece muito com um pensamento que tem fome de chão e que vive numa artificialidade por achar que o mundo deve se igualar a esse conhecimento para ter sentido?
Se viver é o que precisamos, então o que é viver para cada um de nós? O que é a vida hoje? Devemos continuar a defender ou mesmo nos inventar a partir de uma forma de conhecimento que não atende aos clamores de milhões de seres que não tem o que comer ao menos? Devemos ficar horas e horas tagarelando em defesa de uma forma de saber que faz com que milhares de pessoas chorem e se desvanecem em bandos cada vez maior e mais intenso de solidão, depressões mesmo tendo o que comer? A existência da cultura que tantas vezes defendemos já salvou alguém de ter fome?
O que seria mais urgente hoje? Continuar a obedecer a essa forma cultural que nunca salvou nossas vidas, de tantos dissabores? Que nunca teve complacência com os atos de cada um, que ao confiar a essa forma cultural despejara todas as economias culturais, ou seja, jogou tantas singularidades culturais, na certeza oferecida e as destruíram moralmente, politicamente e economicamente? Uma forma que proporcionou e ainda proporciona lágrimas às suas crianças por ter confiado na maneira de agir a um ensinamento cultural que ao invés disto roubou-lhes e aos seus suas possibilidades de uma vida efetiva?
O que precisamos então fazer? Não seria extair, conforme nos provoca Artaud, algo realmente nos efetive, nos plante nesta dádiva que nos é colocada à disposição que é a vida em toda sua extensão biológica com seu mar de mistério inesgotável para nos alimentar de espírito e corpo? Sim, afirma Artaud: “seria extrair, daquilo que se chama cultura, idéias cuja força viva é idêntica à da fome”. Que seriam estas idéias com qu precisamos funcionar? Que idéias seriam estas, senhor leitor? Não seria a idéia de que o viver é uma possibilidade que para se dar torna-se imprescindível estarmos vivos em todas nossas concepções vitais biológicas e espirituais, ou melhor, os dois se misturando num emaranhado sensual? Para tanto não precisaríamos acreditar, ou melhor, dar créditos à possibilidade de nos instaurarmos em vida, nos colocarmos em seus fluxos constantes. Para Hölderlin, um pensador do início do século XIX, a vida se dá por fluxos e não por miséria. Devemos ver esses fluxos como vida ou como erros profanos que devem ser esterilizados por um pensamento puro e sistematizador que depure os seus elementos os distinguindo de uma teia mundana que a ciência veria como desordenada. Para Artaud: “Acima de tudo precisamos viver e acreditar,no que nos faz viver – e aquilo que sai do interior misteriosos de nós mesmos não deve perpetuamente voltar sobre nós mesmos numa preocupação grosseiramente digestiva”.
Nietzsche ao questionar o mau uso da cultura do pensar nos adverte sobre o desconhecimento de nós mesmos. Isto não seria um alerta para o quanto nos submetemos a um sonambulismo, fundamentados de uma abstração que ao instituir-se se apodera de nosso corpo e o mata, o trucida, o deixa escravo, tornando seu usuário um espírito pobre,inóspito, árido, solitário, presa de um estrangeirismo de si mesmo?
Ao nos abarrotarmos com um pensamento totalizador, enciclopédico, acumulador estamos sendo produzidos em uma forma de um sujeito feito de um exercício de poder que nos faz formigas carregadoras de bens, de frutos, de néctares não para saciar nossa fome do presente mas para acumular depositar de alimentos para o dia em que tivermos iluminações suficientes para podermos utilizá-las como uma sabedoria dos fins últimos, dos tempos finais ou mesmo em um outro mundo. Pior ainda é nos entendermos como membros de uma Humanidade e que esses fardos cotidianos serão utilizados por outra geração que nasceria num estágio paradisíaco, quando essa Humanidade for constituída em uma história transcendental. Fazer com que nos orgulhemos de ser inventados como sujeito dessa história abstrata e fazer-nos orgulharmos-nos dessa tarefa histórica e ver tanto dinheiro público gasto em defesa desse sonambulismo. Pior ainda é quando somos convencidos de transformar a única forma viva que é nossa atualização presente em um fardo onde trabalhamos até a exaustão e nos sentimos orgulhosos disso. O pior e mais escandaloso é saber que o presente já chegou em alguns recantos para uma minoria que usufrui de nossas energias canalizadas em iates e hotéis de luxo como Búzios, Punta del Leste, Angra dos Reis, etc. saber que todo nosso fardo é para alimentar uma minoria, que tenta ao custo dessa ignomínia, se satisfazer para superar sua própria pauperidade espiritual, essa pobreza que somente sabe adquirir dinheiro. Assim tanto a maioria faminta literalmente e a minoria faminta espiritualmente que vive com a alma magra e o bucho lotado, estão na mesma barca perversa dos famintos de vida. Mesmo assim a maioria fabrica manifestações em seu cotidiano cultural e que é industrializado pela minoria faminta da alma, para encher ainda mais suas entranhas insaciáveis e famintas pela aridez artística com que são formadas.

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4 Comentários:

  • DEMA SUAS REFLEXÕES SÃO DIGNAS DE APLUSOS SÓ QUE ATUALMENTE AS PESSOASNÃO QUEREM MAIS A VERDADE,MAS,O BANAL O QUE NÃO EXIGE REFLEXÃO AVALIO QUE O QUE VC CLOCOU COM MAESTRIA, É DE SUMA IMPORTÂNCIA, PORÉM NÃO DEVEMOS NOS ILUDIR QUANDO AOS GASTODORES E OS CONSUMITAS DE IATES E HOTÉIS DE 5 ESTRELAS OU MAIS ELES ESTÃO NO TOPO E NÃO LIGAM A MÍNIMA PRA NÓS AQUI EM BAIXO.E O QUE É PIOR O POVÃO VAI TER SEMPRE ELES COMO "MODELOS" E TAMBÉM NÃO ESTÃO PREOCUPADO COM ESTA SOLAMBULICE TE QUE FALAS.VALEU PELO TEXTO ELE ESTÁ PROFUNDO PORÉM MUITO CLARO.

    Por Anonymous Anônimo, às 8:04 AM  

  • dEMA FOI EU GETULIO QUEM POSTOU O COMENTÁRIO ANTERIOR VALEU

    Por Anonymous Anônimo, às 8:07 AM  

  • Obrigado Getulio. Valeu.

    Por Blogger ODEMAR LEOTTI, às 6:07 AM  

  • "DEMA" procurei por LEOTTI e te en
    contrei após mil anos, parabéns pe
    lo exposto, por sua luta do dia a /
    dia, infelizmente nos distanciamos
    coisas da vida,sempre me lembro de
    todos da família com saudades imen/
    sas da nossa infãncia/juventude, pe
    na que o tempo não volte, abraços.
    laudioneocastro@yahoo.com.br

    Por Blogger laudione, às 3:05 PM  

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