NADA SENDO SEMPRE - Odemar Leotti
Nada esse oceano desértico de onde frutifica fluxos de vidas, vidas magras, vidas gordas. Ali naquele deserto a chuva cai e as palavras renascem, se miram umas nas outras e se fazem em sintaxes do que sobrou. Aquele corpo se apóia: um órgão em outro órgão. O pensamento anima o corpo. A mão se ergue e se apóia nos joelhos. O rosto faz uma miragem final na paisagem e os olhos aparecem em cena como que meio cético meio irônico. Balanço do que sobrou de mais uma nascividade morta. Nascer é o que resta disso tudo. Vai erguendo aquele corpo cada vez mais denso. Cada vez mais roto pelo tempo. Vai ele fazendo nós e pontilhados. Vai ele enfiando as linhas na agulha e cruzando pontos e enredando novos passos. Por enquanto quer sentir a respiração e dar passos e pensar no percurso. Vai lá o corpo que anda. Ainda anda...
O nada se faz no caminho sem tempo de sentar solo. Novas territorialidades vão se formando. Elas nascem e são redirecionadas pelo oceano devastador da máquina do Estado. A máquina de guerra assopra-se em suas poeiras do tempo. Máquina de guerra dizimada pelo discurso plebeu. Ser bom era o que não queria. Se jogar na aventura. Algemas ou picaretas é o que sobrou. Aquebrantar a dor para melhor suportar o peso das pancadas nas pedras para ganhar o pão ou suportar a frieza do aço das algemas. Aços da enxada que não faz a terra devolver alimentos para ele ou sentir o tilintar duro da trava das algemas: eis o que restou ao homem que vive sob o peso, as abstrações que nunca se desvelaram em liberdade e inventou a prisão. O corpo anda assim mesmo.
De nada sairá múltiplas coisas. O nada é o lugar do tudo. Tudo pode acontecer, estamos na era do nada. Da superação da incerteza plantamos o incerto direito de viver. Da tentativa de superação do medo transformamos o mesmo em mercadoria. Da tentativa de buscar a igualdade plantamos a uniformidade destruidora. Da tentativa de busca da fraternidade destruímos toda multiplicidade cultural que fazia o mundo com muitos sendos a pulsar. Agora o que nos resta? Homens desapegados de si mesmos. Homens sem qualidade a inventar formas de sobrevivências. Sem comunidades, individualizados, perdidos, emancipados e com os corações petrificados. Da busca da eternidade final ao homem sobrou a procrastinação eterna de um dia que nunca chegou. Consumindo de forma infatigável vai vivendo nessa quimera da felicidade líquida que se faz e desfaz e se transforma numa pilha de carnês. Entre uma solidão há um espaço do vazio monocórdio, a droga é a fuga. A fuga de um nada não criativo: eis o que restou.
Fragmentos se formam como células desgarradas e vai dando pulsações como a batida do coração. São fluxos fragilizados, mas ainda fazendo valer um mínimo de fertilidade. Sintaxes mutiladas vão compondo novas escritas. Rizomas feitas como uma colcha de retalhos. Ali se juntam o que sobrou de tantos sonambulismos fantasmagóricos. Juntam-se a fábulas silenciadas, a subjetividades sufocadas. Novos enredos vão compondo uma canção que permite de novo a dança. O homem volta a dançar a canção de um outro tempo. O nada se fertiliza em mil coisas. Rizomas e canções constroem uma forma de pertencimento. Novas territorialidades despontam no ar.
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