Foi um lapso, um instante, uma fenda. Tudo se abriu e eu pude me ver em toda a minha infinitude, em toda a minha inconclusa forma, em toda indeterminação de minha vivência. Ali, naquele não-lugar me encontrei com meu não-ser, minha inexatidão, minha deriva de anos de acumulação, de diretrizes, de discurso moral. Esse ser conectado, ali estava exposto àquele ser em toda sua nudez moral, incompletamente nu, se envolvendo em linguagens soturnas que nos invadem em nossos sonhos e nos pegam fora de nossa vigília diurna: essa vigília moral, à qual somos serviçais, e que faz-nos prestar serviços como verdadeiros guardiões nessa armadura implantada ao molde de nosso corpo ou moldando nosso corpo. Implantação perversa e sutil à qual, vamos aos poucos nos inserindo, e com ela a tentativa cruel de conter nossos impulsos. Seres castrados e alegres, honrados com o lugar de sua aparição, e com a lente da miragem alimentadora. Esse culto ao nada e a sua miopia proximal. Encoleirados e esterilizados, somos soltos por aí, instituídos em toda nossa licitude permitida, limitada e feliz. Então agora, a escola, em a sua força constituidora, interrompe as pulsões, para aí nascer uma porosidade aniquiladora. Uma porosidade bloqueada e não mais do menino deitado sem compromisso com o depois. Lá ficava a olhar para o telhado que desabava sobre seus sonhos instáveis. Essa instabilidade que aos poucos sofreria a intervenção moral em suas sondagens sutis. Fendas não se abrem mais. O olhar desavisado e sem pressa dá lugar ao uniforme da escola. Agora a vida é uniforme. Agora o comum não vale mais. Agora o Universo é escolar, é uniformizado. O mundo agora é o arquétipo espacial das luzes filosóficas. Agora não existem mais fendas nos telhados. Agora o céu está sistematizado e desvelado. Não há mais mistério no céu. As forças absolutas não mais moram nas coisas. O menino não pode mais sonhar. As nuvens estão emudecidas. Seus poros readquiridos passam a drenar energias para a grande marcha do sonambulismo moderno.
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