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quarta-feira, outubro 11, 2006

O NOBRE E O POBRE - Odemar Leotti

O que é o ato de nascer a não ser tomar posse de um mundo infindo e belo.Porém quando nascemos não escolhemos o lugar desse ato e nem mesmo a forma de nos apossarmos deste mundo. Nascemos em um mundo já pronto e criado à medida dos homens. Tanto faz, um como outro homem nasce cada qual no lugar a ele reservado. Uns nascem na fartura material e por ironia do destino vive na miséria artística que faz com que sua vida seja abundante de comida, de roupa, de conforto. Porém sabemos de tantas notícias do paradoxo que não se quer falar. O paradoxo é que em dado momento da vida se pudéssemos radiografar os sentimentos de cada um veríamos alguém sorrindo em um barraco de favela, ou mesmo doando ao vizinho um copo de arroz, café ou dividindo o dinheirinho para o outro comprar um remédio, ou ainda plantando em latas jogadas fora pela cidade plantas para ‘curar’ dor de barriga, ‘cheiro verde’ para temperar a vida, boldo para aliviar a ressaca ou mesmo a dor do fígado do vizinho. Simultaneamente, veríamos em bairros de luxo, em condomínios pessoas de olhares sem vida, freqüentando sessões de análise, veríamos assassinatos de filhos pelos pais e de pais pelos filhos: por dinheiro, por ciúme ou por mesquinharia na disputa pelo espólio de um morto que mal esfriou o corpo. Então nos perguntamos quem é nobre e quem é pobre?
Sou um paulista, saí de lá ainda menino, por não poder sobreviver em minha terra. Segui a família em sua sina de busca de lugares melhores e um dia tive que voltar à minha terra paulista. Lá uma família de nordestinos me ajudou a iniciar minha sobrevivência. Sim, uma família de nordestinos! Misturei meu sangue de paulista com sangue de nordestino e meus filhos (primeiro casamento) são herdeiros desta mistura, e tantos e tantos em São Paulo também o são. Além do mais, São Paulo foi construída pelas mãos de mineiros, nordestinos e de tantos paulistas que não fizeram parte da herança da riqueza produzida por seu venerado estado. Portanto, podemos dizer que São Paulo é fruto de tantas subjetividades que o fazem às vezes belo e aconchegante, e às vezes racista e hostil. Mas o que é mesmo São Paulo? Ele podemos dizer é fruto de pensamento pobre e pensamento nobre. Então voltamos ao começo: o que é nobre e o que é pobre? Será que ser pobre é ser esse povo belo que trabalha sem parar para construir a cidade grande e majestosa, e depois morar fora dela, na periferia da favela? Então, o que é ser nobre e ser pobre? Nobre seria nascer em berços de ouro e crescer sem assentar nenhum tijolo, e mesmo assim, ter tudo na mão fruto do suor dos pobres? Pobre seria assentar tijolo para si e para o outro e de troco não guardar rancor e construir suas alegrias, suas músicas, suas danças? E o que é ser nobre? É construir teatros que pobre não entra? É construir cinemas que pobre não entra? É construir conservatórios musicais onde pobre não aprende?
Então o que é ser pobre? É ficar fora do teatro e construir sua representação pelas avenidas carnavalescas e ser visto pelo mundo? É ficar barrado no conservatório musical e fazer sambas famosos e gostosos pela riqueza poética? É produzir músicos de ouvido como Pixinguinha, Cartola, Jamelão, Adoniran Barbosa e etc e etc e etcétera?

O que é ser nobre? É poder freqüentar escolas pagas e confortáveis e depois dizer que está pronto para resolver os problemas dos pobres? É ter papai e mamãe bancando os estudos para serem médicos, engenheiros, e depois estar ‘pronto’ para governar o povo? O que é ser nobre? É ter uma vida vazia por ser educado desde a mais tenra idade para vencer na vida? Para superar seu amiguinho? Para não brincar na rua com pobre? Ser nobre depois de formado é cheirar cocaína, fumar maconha, beber whisky, freqüentar sadomasoquismo, pagar para ser chibatado, pois precisa gozar um pouquinho? Ou ser nobre é agüentar uma família conservadora que o consumirá e o fará ser corrupto para que suas mulheres vazias possam gastar em lojas de luxo?

Então pergunto o que é ser pobre? É construir a teia de Penélope. É postergar o desejo incontido dos iluminados que querem salvá-los, ou dos liberais que lhe prometem o progresso e depois os deixam sós, tendo miséria física como excesso? Ser pobre é acertar as contas devagarzinho? É esperar a hora certa de ter seu lugar de pensar? É ter astúcia pra inventar a vida onde quase nada sobra para ele? É apesar da mesquinhez do que se quer nobre, o pobre ainda inventa música para o nobre cantar pra fugir do vazio que só ele sabe produzir para si? É apesar de nada ficar para ele, ainda ter a arte de inventar a dança pra ele e para dividir com o nobre que teve o teatro, mas não criou a dança, não criou a arte de vida? Ser pobre é não ter para ele conservatório, mas consegue assim mesmo fazer música para alegrar a vida da nobreza que freqüenta a escola, mas não tem musicalidade ligada á vida? Ser pobre é fazer a música que faz dançar a fremência da vida enquanto o nobre vai ouvir música para fugir de si mesmo? O que é ser pobre e o que é ser nobre? Nobre é rico e pobre é o que? Será que não está tudo invertido? Se deslocarmos o sentido de riqueza como tesouro do coração não estaríamos entendendo que o que é chamado de pobre não seria o que mais se aproximou do que falou o Mestre de que: “onde estiver teu tesouro lá estará seu coração”? Será que ser pobre não seria estar mais próximo do que o Mestre falou de que: “riqueza boa é aquela que quanto mais a dividimos mais ela se multiplica”? Então se entendermos riqueza pensando junto com Jesus o pobre é o rico e o rico é o pobre? Então o que é rico e o que é pobre? Hoje vemos uma minoria querendo produzir bastante riqueza e uma maioria querendo dividir pobreza. O país está dividido entre o que então? Entre rico pobre e pobre rico? E nós o que somos? Pobres ricos ou ricos pobres? Eis a questão das palavras. As mais inocentes são as mais perigosas. Palavras como disse Hölderlin, “as palavras são como parábolas, servem para fazer viver e servem para matar”. Portanto, usemos com cuidado as palavras. Então, como você se considera depois de tudo que polemizamos? Você quer empobrecer sua alma para ficar rico e viver num mundo de lágrimas, hipocrisia e violência ou quer enriquecer a vida e viver nesse oceano de sorrisos? Pois é! Nesta eleição está em disputa um menino de origem nobre e um menino de origem pobre. A escolha é sua. O Brasil está em suas mãos.

Foto:www.arkesta.org/imagens/favela-2-.jpg