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domingo, junho 11, 2006

UM NADA E UM NÃO - Odemar Leotti

"Gostaria de começar meu livro com um sim. A vida começa com um sim. Uma célula diz sim a outra célula.E assim dá-se inicio à vida. Em seguida vem o não e a vida se esvai. Clarice Lispector[1] "

Tudo começou com um nada e um não. Do nada surgiu Deus, de Deus surgiu o homem. Da transgressão surgiu o não. Do não ressurge o nada do homem e a necessidade do sim. Pelo sim se instaura como ser-no-mundo. Lispector inicia sua obra colocando o sim como início. Eu coloco-o como re-início. Fugir do pavor do vazio, do caos, da indigência é um eterno retornar. Fazer norte a partir do erro. Do erro ao não, do não ao sim, do sim à fuga da indigência. Aludindo a Marllamé, o verbo se fez carne, a carne se sensualizou, uma carne com outra carne, o Eros e a expulsão, a carne se fez verbo, diz sim para si.
Assim, acontece o que se quer os sentimentos enredados. Por mais que se queira algo perto de si esse algo se distancia de nosso controle, pois não temos o que imaginamos Ter em mãos. Temos sim uma construção que fazemos das coisas e quando essa aquisição construída vai se desfazendo em nosso mundo feito pela imperfeição das palavras nós como loucos desamparamo-nos e novamente sentimo-nos lançados em nossa indigência. A angústia toma posse de nosso ser e abre caminho para fermentações mil. Aí o medo se apodera de nosso ser. É a batalha de palavras que tem início. Nós como loucos somos lançados numa arena de indefesos, impotentes, pois acreditávamos estar de posse da verdade das coisas. Ao diluirem-se aos poucos nesse vendaval de palavras instáveis nos detemos em nossos limites. Aí é o compasso do tempo a molestar-nos e o medo da dor do corpo e do medo do corpo de nosso ente ser punido pelo poder das palavras que expelem verdades que se tornam os emaranhados políticos que definem os destinos dos corpos rebeldes. Alice caminhava pelo atordoamento de uma estrada desenhada pela linguagem que compunha seu enredo. Por mais que a quiséssemos perto, mais longe ela ia. Como desesperado gesto tentamos prender o corpo que já não era mais nosso, mas da narrativa que lhe cantava cantos de liberdade. Viver o ostracismo de não aceitar o imposto eis o que restava aqueles que se põem a caminho da sua vontade construída à mercê de sua vontade. Ela era apenas uma espectadora de seu enredo.

[1] Este texto foi a partir de lembrança da obra A hora da estrela. Não há certeza de ter saído na íntegra.