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sábado, novembro 13, 2010

A FRAGILIDADE E CONSISTÊNCIA DAS PALAVRAS

A FRAGILIDADE E CONSISTÊNCIA DAS PALAVRAS

Odemar Leotti

Cada palavra é uma borboleta morta espetada na página: por isso a palavra escrita é muito triste. Mario Quintana.


Cuidemos de tudo que decida nossa vida. Nossa vida? Não a temos pronta. A temos sempre sendo, sempre sendo e sempre tecida no dia a dia. Esse fazer constante da vida pelas palavras, através das palavras tornadas signos encadeados. Feita de palavras, mas antes de tudo dentro de um espaço político. Político entendido como um campo de guerra de todos contra todos. É nessa interface entre as palavras e as coisas que se dá o teatro político. Entendendo nesse caso política como continuidade da guerra por outros meios em uma terra conquista e usurpada pela força. A vida como “lugar da improvisação e da rigorosidade matemática, como no teatro. As coisas estão por aí, devemos buscá-las procurando, uma linguagem através dos signos, de gestos e objetos, com a ‘importância dos sonhos’”. A reunião que cada qual faz da palavra obedece a leis, diria a regras de sua aparição. Leis e regras são coisas dos homens e o mundo nasce das semelhanças das palavras: as palavras semeiam semelhando a vida. Sêmens seminam e a magia das palavras tecidas no cotidiano enredam possibilidades entrelaçada de palavras poetizadas e ditas no fazer inseminado de vida.

A diferença surge das analogias que tomam assento em novas territorialidades violentando-as e tornando-as contaminada de novas formas de ocupação do seu espaço. Esse espaço das palavras sofre com essas capitulações, novas analogias de sua formação e é dentro dele que os corpos se movem e é aí que as relações que emanam de cada imanência se cruzam, se resvalam, se contaminam e formam novas territorialidades diferidas no espaço e no tempo. Novas palavras, novas violações da natureza das coisas.

Eu acrescentaria que para nós as formas das escritas Astecas, Incas, da infinitude dos mistérios das múltiplas culturas das sociedades aqui existentes antes do ato de violação chamada de conquista, contaminação irreversível do ser das coisas. Estas formas de vida forram submetidas pela guerra de conquista e depois essa guerra tomou forma em guerra dos sentidos. Tudo se tornou um emaranhado de sentidos, mas predominou como saber dominador, o do invasor em sua tentativa de supressão do espaço das multiplicidades, tanto das culturas quanto de sua transmigração para o interior de cada um. O que podemos dizer que primeiro foi a guerra depois a política como sua continuidade.
Não podemos generalizar a vitória de um lado, pois as contaminações se dão de todos os lados no embate dos sentidos e de suas apropriações infinitas no tempo e no espaço. Foram contaminados pelos europeus, mas estes se contaminaram com os saberes e podemos dizer inclusive fizeram uso dessas culturas em situações complicadas que trazem e trarão grandes problemas, tais como o uso de drogas adquiridas com essas culturas. Portanto antes de a eles se “submeterem” os submeterem a novas analogias misturadas e disfarçadas pelas simulações, porém mesmo não sendo intencional, podemos dizer que o próprio ato de apropriação se dá com cada forma do estabelecimento das leituras e das condições de sua produção e não unicamente como quer um tipo de historiografia. É nesse palco improvisado e rigoroso em suas formas análogas das palavras e dos símbolos que nos sentimos sendo, nesta terra mundializada em tantos mundos e em suas digladiações simbólicas.

"O Pesa nervos", “a vida é queimar perguntas”, o que deve reportar a Pedro Abelardo, [30 nota] dando um passo além de Descartes: a dúvida não deve ser apenas metódica até alcançar a evidência, mas a atividade mental deve ser levada a um tal ponto de interrogar-se que chegue à "destruição da evidência".

Pode-se observar nisto tudo a palavra dançando na linguagem, tirando dela toda a sua solidez e fragilidade simultâneamente. Se alquebra à menor insinuação criada e se fortalece perante torrentes ifernais: eis aí a linguagem do ser. Um Instaurar-se no espaço do sensível regrado pela força que media a criação. No solo inseguro da linguagem que desmonta, destitui e faz do ser uma eterna guerra e vigília do entendimento do mundo. Mundo feito para ser feitura constante onde quem quer que seja, será seu protagonista da feitura. E isso não para de ser assim. Se não fazemos o uso das palavras de forma salutar elas nos vem como coisificações de forma perversa e destruidora. As palavras servem, ao mesmo tempo, para fazer vivificar a vida e quando fora do controle da poética da maioria, volta contra nós e o faz para enunciar a morte. Vivemos nessa vertigem constante. Não podemos entregar a trama da escrira que funde nosso ser aos cuidados dos que nos querem destruir subordinando-nos a uma subvida ou nos destruindo quando nada podemos lhe oferecer. O estanhar do mundo é uma constância na luta em torno dos sentidos. O que nos oferecem como forma pronta pode ser nossa destruição naquilo que nos caracteriza como ser pensante. Portanto a evidência deve ser usada e descartada ou nem mesmo usada, porém o importante é que não aceitemos nada como evidência definitiva, e devemos sim perseguir a resposta e massacrá-la com novas perguntas. Os sentidos são como uma teia de aranha: é frágil a ponto de se desmanchar a um leve toque de dedo, porém tem a consistência e a solidez das rochas ao enfrentar a mais forte tempestade. Ao encontrarmos uma teia em um ramo de árvore e a tocarmos se desmancha facilmente, porém se quebrarmos essa galha e a jogarmos a um mar enfurecido, a teia flutuará e se condicionará no relevo de suas ondas e sairá intacta. Essa metáfora da teia, nos presenteada por Nietzsche, serve para entendermos que a vida é feita de signos, de sentidos produzidos na linguagem, e, portanto tem a fragilidade de se desmanchar a um pequeno toque e a consistência de suportar as mais terríveis avalanches. A vida é produto de nossa eterna vigília e tessituras infinitas. É isso a vida: o nada e o ser-no-mundo, sendo feito e refeito onde somos artistas de nós mesmos.

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