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sexta-feira, setembro 22, 2006

O TEXTO ESTÁ TECENDO O NOSSO AMANHECER - Odemar Leotti

Eu gostaria de falar de tantas coisas, mas meu coração está ' parado,' perplexo, perante tanta infâmia. Parece ressoar a voz de Castro Alves quando lamentava a tripudiação dos hipócritas perante a frente dos incautos, dos trabalhadores, de tanta gente que nascem nesse país. Parece que estamos condenados a uma desgraça eterna. Uma escuridão sem fim. Parece que os senhores não abrem mão do mando do país, custe o que custar. São os desvairados que acham que são donos do país. Este país é de todos e o queremos pela democracia política. Aquela que os gregos inventaram para se livrarem do poder palaciano. Construir uma escrita que possa ser nosso texto. O texto onde não existe o grito triste das crianças, o gemer dos velhos perambulando pelas ruas e vielas apoiando-se nos cantos destas cidades, estas mesmas cidades que ajudaram a construir e que não podem habitá-la e quando podem lhes faltam o respeito e a dignidade humana que lhes proporcionem uma vida bela. Nosso texto não terá mães chorando na porta dos presídios por ver seus filhos sendo presos da miséria. Da miséria filosófica, da miséria religiosa hipócrita e perversa que não tem escrúpulos em embolsar o parco dinheiro dos pobres. Em nosso texto não haverá rios se perdendo na podridão que lhes transformam, tornando-os esgotos. No nosso texto a vida poderá sorrir ao amanhecer e repousar ao anoitecer. Anoitecer a tecer cada minuto do descanso da mente para que seu filho repouse e acorde sabendo que irá produzir para todos e não para uma minoria sedenta de lucros para suas mulheres devassas e vazias. Nosso texto não trará consigo os dias cinzentos em que a elite falida e cartorial necessita criar para sobreviver em sua pobreza de espírito. Criminosos que produzem outros criminosos. Em nosso texto não haverá espaço para filas de hospitais. As crianças poderão sorrir nas ruas e não vão precisar vender chicletes. Nem seus coleguinhas serão assaltados. Em nosso texto haverá somente a poesia. Nele as coisas aparecem por magia e a magia se concretiza pelo fluir constante das coisas significadas e que estarão a serviço do prazer da vida. As coisas quando não são buscadas pela poesia da vida volta com sede de vingança e molesta todos aqueles que não as respeitarem. As coisas boas haverão de brotar neste país. Nem que custe o nosso sangue o preço de seu brotar de frutos. E quando um povo diz que prefere morrer que aceitar a injustiça aí começará a grande revolução. Foi assim no Irã: linchamento daqueles que humilharam o povo sofrido. Será assim em todos os lugares em que não deixam brotar a flor do fluxo da vida. O que será que quer a nossa elite parasitária? Será que querem ver um país em chamas? Será que somente assim cederão o direito de via aos brasileiros? Só sei de uma coisa. O texto está sendo tecido de muitos textos. Da humilhação da criança que é humilhada. Do discurso da elite que chama todos os trabalhadores e inclusive nosso presidente de "vagabundo". Deixe estar, tudo isso são fios que se entrelaçam e formarão o tecido, ou seja, o texto da libertação. Não libertação transcendental. Mas será ressuscitado o texto de Heráclito. O jogo de AION. O texto de Parmênides será esgarçado em farras públicas. Veremos o povo em gritos e sorrisos rasgando e esgarçando o texto que fecha o mundo. Estará nascendo então o texto do jogo da criança. Do jogo de uma liberdade que nunca poderá ser apropriado por nenhuma forma de explicação. Uma liberdade que será o próprio texto se abrindo para o mundo e rompendo as entranhas da alma coletiva e estatelando o mundo duro e fechado. Aí os homens voltarão como o filho pródigo para o berço de si mesmo. Nunca mais estará sob o véu do discurso transcendental em toda sua hediondez hipócrita fabricadora da ilusão platônica e kantiana. Nascerá o novo dia do novo texto. A Escrita do povo está tecendo. O ovo da serpente está chocando. O texto da vida nascerá um dia. Ele já está frutificando nos votos firmes que o LULA está recebendo. Ele já dá 'as caras' ainda adolescente, mas que não quer mais se misturar com o texto da podridão feito com as garras de homens asquerosos, abutres da nação. Uma elite que tem uma história que nunca deverá ser contada para as crianças. O texto está nascendo da dor da lama da periferia. Ele dança a dança do rap. Ele entoa na voz do funk que brinca com uma sexualidade roubada e mutilada, e por isso, cria o pudor dos que não gosta, mas a periferia gosta. O texto está nascendo na cantiga de ninar da mãe lacrimosa que nina a criança de barriga vazia. O texto está nascendo no choro da criança que não pode escapar de morrer soterrada. O texto nasce no canto dos que não tem mais com quem contar a não ser inventando de novo a vida. Uma vida que nascerá do seu próprio texto. Aí teremos nossa própria língua. Nossa própria escrita. Escrita que não é presa à cópia de uma origem certa por ser presa a um centro e que dá direito aos risos dos idiotas que acham que existe uma essência inicial. Da vida do 'nóis vai' está nascendo o texto. Como diz Carlos Valter, é melhor dizer 'nóis vai' e saber aonde ir do que dizer nós vamos e não saber para onde ir. Por isso é em tudo que existe de soluços, das cantigas, de cochichos transgressores, de fofocas demolidoras da origem das ordens do centro que se quer emanador de verdades das elites parasitárias. É das fendas, da lama do dia a dia. Do pó preto que temos que respirar. Da dor sufocada que temos que agüentar. Do barraco pequeno que a gente tem que morar. É aí que a nossa gente vai se afirmar. O beabá aberto e livre irá dar a tônica do nosso enredo. Os tambores irão rufar, as portas irão se abrir e o povo irá se encontrar para gritar que está nascendo a criança. Aí entenderão que o texto do povo, a escrita dos humilhados, a grande escrita da liberdade estará estrondando em grandes raios de vida. A praça irá se encher de gente, e a canção ressoará o canto que enxugará os olhos das mães sofridas, apoiará os velhos maltratados, carregará e cantará o ninar das crianças sem comida. É o texto que vai nascer um dia. O texto que será a escrita do poder do povo. É a escrita nascida de vários fragmentos de sangue, de lama de barranco. É o texto sujo de chão. Será a filosofia das margens a sufocar o centro castrador. E avisemos aos incrédulos que o texto está tecendo o nosso amanhecer. O texto ungido pela dor do povo. O texto está nascendo. A escrita do povo. A escrita de um novo poder. Ele não se localizará, não nunca. Ele será o alimentador do discurso do poder do povo. A nossa escrita está nascendo...
Foto:www.tratosculturais.com.br/qf/Capas/Abertura_...