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sábado, fevereiro 09, 2008

SEMENTARIA - ODEMAR LEOTTI

HOMENAGEM AO POETA MISAEL.
Você fez-me maior em minha poesia. Semente, eis a grande chave. Elas são poderosas, resistem ao tempo à aridez, e os homens agora estão profanando sua misteriosidade. Ai homens, ai tagarelices humanas pobres e poderosas de destruição. Ai saber ocidental, fecha a porta dos seus mares. Observe minha amiga Cristiane. Essa soldada guerreira e suas lindas manifestações da poética que dilui a aridez dos homens que tem horror ao informal, mas nem sentem em suas veias o formol. Sim ali só corre formol. Tornam-se seres imortais, mas eles estão vivos? Vivem pregando o recrutamento das almas para a perfeição, mas não conseguem dizer quem são. Por isso gosto de você e da Cris, pois ela derruba generalizações, feitas pelos que crêem que as coisas têm sentido em sim mesmas. Enquanto isso, você trabalha o dia inteiro para nos tirar da dor da servidão. Você é o coringa no mundo do Bat Man. Bat do verbo bater, é isso que ele faz com seus murrões que alimentam nas crianças duas coisas terríveis. A moral da violência contra os anormais e a figura do herói que luta por nós pobres aleijados. MAN é o que ele é. Os outros não sabem o que são, nem precisam saber. Pois não existirão por si mesmos. Vivem pagando o preço de cruzar com um poder que os condenam e os excluem como exemplo. Portanto gosto mais de Coringa. Coringa é a carta do baralho que vale igual para todas as diferenças. Diferenças é a possibilidade da multiplicidade. Ela sofre a intervenção do bem, e se não concordar em ser cordeiro do rebanho ocidental, nós ensinamos as crianças a entenderem que se gostarem do Coringa vão levar murrão do Bat.
Eu me despedaço à minha frente, não me acho, por isso não me encontro em mim mesmo a não ser em toda essa parafernália que me inventou e que deixou meu olhar opaco sobre meus desejos. Somos demais para as verdades FORMOLISADAS, sim demais...
Foto:www.bodas.files.wordpress.com/2007/02/semente.jpg

ENCANTOS DECANTADOS - ODEMAR LEOTTI

As coisas não têm o tamanho como me ensinaram os saberes classificadores. Os saberes que inventaram meus sábios. Nasci com um olhar panorâmico. Se meus olhos são como desses bebês maravilhadores, entendo que são de uma extensão infinita. Aliás, isso me faz entender porque existe a esfericidade das coisas. As pedras rolam, as coisas rolam, a vida rola, o mundo rola, tudo rola para que a pomba - rola possa voar. Maravilhar as dores do peso de vergarmos sempre perante o peso do fardo da vida. Porque o infinito nasce e finda em si. Finda no infinito nascente de tantos começos. A vida não consegue ser linear e se verga sob o peso da renascença indissolúvel.
Foto:www.cristinaruiz.com.mx/tienda/images/actual_hasta_el_infinito.jpg

PALAVRAS SÃO SENHAS - ODEMAR LEOTTI.

Há vezes ou às vezes? Não sei por onde começo esse texto. Ia começar assim: às vezes nos deparamos com alguma coisa à nossa frente que muda totalmente nosso objetivo anterior. Aí nos embocamos naquilo e esquecemos do que tínhamos propostos antes. Daí o tamanho do prazer que vai nascendo, achamos que até vale a pena não voltar mais para a tarefa anteriormente planejada. A que poder pertence o discurso que nos faz andar planejado? Por que então transgredimos esse itinerário e nos pomos a ‘vadiar’. Vadiar seria o mesmo que não estar dentro dos passos ordenados? A ordem seria um caminho que nos conduziria a um lugar ideal. O ideal seria um lugar supremo. Esse lugar onde viveríamos purificados para sempre. Ali nunca mais iríamos errar? Errar seria resultado dos desvios que seguimos e que nos impede de seguirmos o caminho correto? Sei lá. Quando abrimos páginas, seja ‘caminhando’ pelo computador, ou por uma agenda velha procurando alguma coisa sempre encontramos algo que nos seduz e nos rouba do itinerário. Ficamos parecidos com a criança que se deixa levar pela curiosidade e atrasa na missão entre sua casa e a padaria, ou o homem correto que ao beber uns goles esquece-se de voltar para casa, de cumprir sua missão. Eis aí a vida: sempre temos que seguir um trajeto pré-determinado. Esse trajeto nos ordena sempre uma volta para casa. Essa casa, esse trajeto: o que isso nos faz pensar sobre os ensinamentos que recebemos e não sabemos que isso acontece. Seria esse o efeito de sentido que faz com que não enxerguemos a forma inventiva com que nós somos colocados no quadro, passamos a fazer parte da obra do artista que ao dar volume à vida o faz de forma que não notemos que somos frutos de uma representação que nos rouba do emaranhado do ser da vida. Será que esses lugares do acaso que nos rouba do caminho seria a vida frêmita, essa vida do emaranhado semântico que se faz nos arrodilhamentos, nos meandros tortuosos que compõem o inventar da vida e que somos impedidos de nos deixar roubar por eles? Seria essa posse do desvio, obra somente das crianças em seus entorpecimentos produzidos pelo poder do silêncio que só a elas ainda pertence ou ao entorpecimento etílico que nos leva a se livrar da responsabilidade determinada pelo discurso. Somos arremessados para fora do quadro em que fomos pintados como protagonista de uma forma representada fora do formigar da vida?
Pois é, onde a função correta era desesperadamente encontrar uma senha para abrir as portas de uma página da Internet, desvia-se para uma porta poética, esse desvio proibido pelo caminho ideal. Indo atrás de uma senha encontrei palavras que me foram senhas. Pois bem, ao abrir o ‘pc’ para encontrar um documento, me deparei com a vontade de abrir uma pasta que quase não uso para ver o que habitava ali dentro. E eis que ao vasculhá-la, nesses acasos premeditados (ou não?) me deparei com este pensamento solto numa página em branco, só ela lá a reinar. Mas, como um moleque perverso, a tirei de sua solidão e a coloquei pra rodar o mundo, junto com uma do Mario Quintana que estava em uma agenda de 2004. Olha, abri essa agenda para encontrar uma senha para entrar num site. Deveres a cumprir para me manter em boas relações de trabalho, ou seja, obedecer às normalidades funcionais. Para minha surpresa, tudo se deu fora do planejado e não a encontrei. Eis que aparece em meu caminho outra senha: era uma senha Quintanariana, e não resolveu o meu problema, que era abrir o site para atualizar meu cadastro. Responder perguntas: expor-me ao exame, ir ao confessionário moderno, oferecer-me ao foco do holofote do olhar panóptico dos que precisam controlar os “escravos”.
Mesmo sob esse olhar sobre meu corpo, ao trabalhar para expor-me à luz, encontrei palavras reinando numa pasta e ao ato de ir atrás da senha dos que me querem controlar, como que por ironia da vida, achei as palavras de Quintana. Assim que juntei suas senhas com as de Foucault, levei-me a produzir com eles outros pensamentos. Não sei com certeza do todo, mas as palavras dele ecoavam mais ou menos assim: "O equilíbrio é a morte do encanto da dúvida que possibilita o inesperado. O inesperado é o ponto de fuga do vazio monocórdio". Esses ecos se emaranharam com essa senha que encontrei do Quintana. "Cada palavra escrita é uma borboleta morta espetada na página: por isso que não gosto da palavra escrita". Dei-me a pensar com isso que a palavra tem que ser como borboleta: voar, embelezar em sua efemeridade. Que tal? Esse poeta nos faz des-pensar e pensar como criança, como bêbados: soltos na perdição do instante. Palavras são soltas no ar ao léu da forma em que nós nos situamos para arremessá-las. Essas palavras às vezes se voltam contra a gente e nos faz pensar que as pessoas têm poder demais: é que elas ao serem maltratadas nos traem. Então pensei que o mundo que se quer da maneira que desejo deve estar sendo feito com palavras mortas, palavras distanciadas da vida e que seguem num sistema longe do ruir do cotidiano. Palavras que querem um mundo com as vozes emudecidas e paisagens que não seriam mais de pessoas gritando nas ruas e sim de pessoas espetadas nas leis que determinam seus destinos. Presos a um pensamento que faz da vida em vez de poética apenas reduzida a um quadro na parede com gente que agora não dependem mais das palavras e sim do querer de outros que pensam em seu lugar. Querem imobilizar as palavras em um livro, em uma constituição, ou a partir da coerção física, é o mesmo que matar as possibilidades da vida nascer. E quando a vida não nasce ela explode em violência dos que não podem mais alçar seus vôos de borboletas: mesmo na efemeridade dos seus prazeres, nos momentos inóspitos em que são impedidos de emergirem, engessados por um discurso monocórdio que se quer assim e não aceita a diferença. Pois é Quintana, você escreve torto por linhas que se querem retas e co-retas. Pois é Foucault, você trilhou em um mundo que se quer equilibrado onde nunca nasça a dúvida: ao fazer isso o desconcertou e causou vertigem nos iluminados. A liberdade da experiência como acontecimento efêmero, onde se sai transformado, fica assim sufocada pelo saber arrogante desse iluminismo, todo remendado em sua pobreza que se quer como verdade purificada. Como já dizia Mateus: “Remendo novo em pano velho, a rotura fica maior”. Profanemos suas verdades?
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