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domingo, janeiro 27, 2008

NEBULOSA - Odemar Leotti

Nada havia à frente a não ser o que já estava instalado no manancial do saber. O olhar rodopiava como um radar melancólico em busca de um sinal de vida. Nada saia da aridez daquela paisagem, nada além do que se pudesse inventar. Invenção dura para uma alma cansada de inventar saídas. Essas paragens pareciam um túmulo a espera de seu corpo. Não conseguia mais parar. O bucólico foi se transformando em uma solidão impiedosa. A vontade de seguir a estrada rumo a alguma coisa era de certa forma algo que tomava conta da alma. Aquele olhar quase não mais piscava, não mexia as pálpebras. Parecia que a quantidade de arvores, águas e tantas coisas que fazia o coração pular com seu bucolismo irradiante ia se tornando pálida imagem que a lembrança e a saudade iam carcomendo. Nessa digestão perversa e mal digerida a alma ia sentindo a corrosão de sua jovialidade. Um exílio se quis e o que se via e sentia era uma necessidade infinita de buscar alguma coisa que nem se sabia se existia. Mal algo precisava existir. Não era possível manter o corpo e a alma em situação tão maltrapilha de sentidos. Os bares, onde estavam? As rodas de amigos, as festas, a vida, pois é a vida onde ela ainda se encontra? Onde está esse lugar incógnito que não paira à minha frente para que eu possa lançar-lhe a rede de meu desespero. Teria que ser tantas redes para tantas camadas de vida que ficaram para traz. Tantas territorialidades que talvez nem existam mais. Só no meu pensamento. Só no meu sonho moribundo de reconstruir parte por parte esses episódios em que me via em sorrisos largos. Eles não existem mais, eis o que não quero me fazer entender. Todos estão se procurando num vácuo que os engoliram. A cada instante refazemos um mundo, outro mundo. Camadas e mais camadas: no tempo de pedaço em pedaço esses habitantes do cérebro, essa matilha cruel que corrói meu pensamento e me joga num caminho de volta em busca de fragmentos de uma vida que parecia completa e que só existe no pensamento de um ser exilado de si mesmo. Pedaço a pedaço, vamos juntando os cacos na vã tentativa de remontar esse brinquedo que a vida se fez e nos fez seus herdeiros. O olhar já não é mais o de criança. Já não se contenta com lugares ínfimos. A solidão já passou a habitar nosso ser. Não conseguimos mais nos livrar do ecoar de passagens que nos atormentam e nos fazem como detritos dessa vida. A família, sua diáspora e os eternos e intermitentes jeitos de se refazer o quadro quebrado. Novas famílias, novas amizades e todas elas se esvaecem como líquidos das mãos alquebradas de nossos sentidos. Sempre se alojando em novos territórios vamos vivendo como viajantes de nossos sentidos subjugados por formas arruinadoras de nossas comuns vidas. Comungar a vida, comuna de gentes se fazendo como barcaças navegadoras do mar bravio do esvaziamento ininterrupto das formas viventes. Ah! E o mundo? O mundo ficou só na lembrança. Só nostalgia nos acompanha.
Foto:www.atuleirus.weblog.com.pt/arquivo/lie.jpg