PALAVRAS SÃO SENHAS - ODEMAR LEOTTI.
Pois é, onde a função correta era desesperadamente encontrar uma senha para abrir as portas de uma página da Internet, desvia-se para uma porta poética, esse desvio proibido pelo caminho ideal. Indo atrás de uma senha encontrei palavras que me foram senhas. Pois bem, ao abrir o ‘pc’ para encontrar um documento, me deparei com a vontade de abrir uma pasta que quase não uso para ver o que habitava ali dentro. E eis que ao vasculhá-la, nesses acasos premeditados (ou não?) me deparei com este pensamento solto numa página em branco, só ela lá a reinar. Mas, como um moleque perverso, a tirei de sua solidão e a coloquei pra rodar o mundo, junto com uma do Mario Quintana que estava em uma agenda de 2004. Olha, abri essa agenda para encontrar uma senha para entrar num site. Deveres a cumprir para me manter em boas relações de trabalho, ou seja, obedecer às normalidades funcionais. Para minha surpresa, tudo se deu fora do planejado e não a encontrei. Eis que aparece em meu caminho outra senha: era uma senha Quintanariana, e não resolveu o meu problema, que era abrir o site para atualizar meu cadastro. Responder perguntas: expor-me ao exame, ir ao confessionário moderno, oferecer-me ao foco do holofote do olhar panóptico dos que precisam controlar os “escravos”.
Mesmo sob esse olhar sobre meu corpo, ao trabalhar para expor-me à luz, encontrei palavras reinando numa pasta e ao ato de ir atrás da senha dos que me querem controlar, como que por ironia da vida, achei as palavras de Quintana. Assim que juntei suas senhas com as de Foucault, levei-me a produzir com eles outros pensamentos. Não sei com certeza do todo, mas as palavras dele ecoavam mais ou menos assim: "O equilíbrio é a morte do encanto da dúvida que possibilita o inesperado. O inesperado é o ponto de fuga do vazio monocórdio". Esses ecos se emaranharam com essa senha que encontrei do Quintana. "Cada palavra escrita é uma borboleta morta espetada na página: por isso que não gosto da palavra escrita". Dei-me a pensar com isso que a palavra tem que ser como borboleta: voar, embelezar em sua efemeridade. Que tal? Esse poeta nos faz des-pensar e pensar como criança, como bêbados: soltos na perdição do instante. Palavras são soltas no ar ao léu da forma em que nós nos situamos para arremessá-las. Essas palavras às vezes se voltam contra a gente e nos faz pensar que as pessoas têm poder demais: é que elas ao serem maltratadas nos traem. Então pensei que o mundo que se quer da maneira que desejo deve estar sendo feito com palavras mortas, palavras distanciadas da vida e que seguem num sistema longe do ruir do cotidiano. Palavras que querem um mundo com as vozes emudecidas e paisagens que não seriam mais de pessoas gritando nas ruas e sim de pessoas espetadas nas leis que determinam seus destinos. Presos a um pensamento que faz da vida em vez de poética apenas reduzida a um quadro na parede com gente que agora não dependem mais das palavras e sim do querer de outros que pensam em seu lugar. Querem imobilizar as palavras em um livro, em uma constituição, ou a partir da coerção física, é o mesmo que matar as possibilidades da vida nascer. E quando a vida não nasce ela explode em violência dos que não podem mais alçar seus vôos de borboletas: mesmo na efemeridade dos seus prazeres, nos momentos inóspitos em que são impedidos de emergirem, engessados por um discurso monocórdio que se quer assim e não aceita a diferença. Pois é Quintana, você escreve torto por linhas que se querem retas e co-retas. Pois é Foucault, você trilhou em um mundo que se quer equilibrado onde nunca nasça a dúvida: ao fazer isso o desconcertou e causou vertigem nos iluminados. A liberdade da experiência como acontecimento efêmero, onde se sai transformado, fica assim sufocada pelo saber arrogante desse iluminismo, todo remendado em sua pobreza que se quer como verdade purificada. Como já dizia Mateus: “Remendo novo em pano velho, a rotura fica maior”. Profanemos suas verdades?
0 Comentários:
Postar um comentário
<< Home