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terça-feira, maio 02, 2006

NADA MAIS HAVENDO IHGMT e os limites dos silenciamentos - Odemar Leotti

Oito homens e nenhuma mulher tinham naquele dia que almoçar mais cedo. Aquele dia era um dia de um ano muito especial. Apesar de já um pouco atrasado no ano eles marcaram de reunirem-se às treze horas. Era dia onze do mês de agosto de mil novecentos e vinte e dois. Esses homens moravam em Cuiabá, e era nesta capital de Mato Grosso, que eles iriam se reunir. Quem eram eles? Eram os membros efetivos do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Fazia três anos que havia sido inaugurado esta instituição. O que seria o papel de uma instituição, ou melhor, de um instituto? Ou melhor, ainda seria colocarmos este termo em questão. Instituir é um verbo. Logo algo quando é instituído precisa de uma entidade para cuidar desse algo instituído. A entidade recebe o nome de “Instituto”. Quando afirma alguma coisa é na verdade um sistema de pensamento que os fazem funcionar. Se instalarem como sujeitos. Assujeitados se colocam como personagens instaurados que estão em práticas discursivas. Havia naquele momento uma vontade de instituição de uma forma de saber que fizesse com que as múltiplas ramificações culturais existentes unificassem suas formas de sentido em um único discurso: o da racionalidade civilizatória que se materializaria no encontro do Brasil com a modernidade. Para tanto era necessário, para que esta forma discursiva se positivasse instituir cada indivíduo como objeto assujeitado ao discurso civilizatório. Este parecia ser o recorte que as práticas discursivas se caracterizavam. Ele se instalava como a recortar um campo de projetos, pela definição de uma perspectiva legítima para o sujeito de conhecimento, pela fixação de normas para elaboração de conceitos e teorias[1]. Cada uma delas, supõe, então, um jogo de prescrições que determinam exclusões e escolhas. Aqueles seis personagens estavam reunidos no Palácio da Instrução. Eles se associaram para a vigésima terceira reunião do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Mato Grosso. Eram eles Philogonio Corrêa, Dr. Virgílio Corrêa da Costa Filho, Desembargador José de Mesquita, Advogado Estevão de Mendonça, Tenente Coronel Antonio Fernandes de Souza e Cesário Corrêa da Silva Prado. Esta sessão estava sob a presidência do ser Philogonio Corrêa. Nas posses de diretorias desta instituição eram convidadas autoridades de várias outras instituições, que por sua vez cuidavam do que havia sido instituído para que funcionassem para que aquele sistema de pensar que os guiavam obtivesse êxito. O doutor Virgílio Corrêa Filho, que nesta reunião passou o informe que havia sido nomeado para o cargo de Secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Fazenda, declara que o fim principal desta reunião era o de se cogitar sobre a parte da comemoração do Centenário da Independência Nacional, que segundo informou competia ao Instituto cuidar. Cem anos se passara desde o grito da independência. Esse era um passado que precisava ser cuidado. Desde a fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil em 1831, que esta instituição e suas secções regionais cuidam da fundação da nacionalidade brasileira. Em outras palavras fazem o papel de fixar na memória das pessoas, em seus sentidos de vida de que são brasileiros e necessitam se verem a partir deste espelho. A instituição da nação e a manutenção de sua memória não podiam, ao ser instituída ficar sem quem dela cuidasse. Assim é que o Império do Brasil, alguns anos depois de proclamada a independência cuidou de instituir um sentimento de nacionalidade sobre a diversidade cultural que compunha esse imenso território. Portanto ao aproximar-se da comemoração dos cem anos da independência, precisamente quando faltavam apenas três anos, no ano de 1919, foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Era preciso instituir um discurso unitário que fizesse com que a população se auto-sentisse como devedora de obrigações com o soberano, com a corte, com a nação. Para tanto era preciso unificar as opiniões em uma única forma de pensar. Não estava ali para fabricar o discurso da nação, do amor à pátria, pois seu papel não era simplesmente este. Seu papel seria fazer esse discurso ganhar corpo em outras instituições da sociedade. Em conjuntos técnicos, em instituições, em esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas, que ao mesmo tempo as impõem e as mantêm. Quando a ata termina com o nada mais havendo, dá a entender algumas metáforas que passam despercebidas. É importante lembrar de Hölderlin, pensador alemão do início do século XIX, quando afirma que as palavras são como parábolas, estão carregadas de vida e morte. Pois acabamos lembrando de Paul Veyne, que pede que estranhemos aquelas palavras mais sutis, pois as que aparentam mais inocência são as que estão carregadas dos piores venenos. É por isso que aproveitei esta palavra tão sutil que esta carregada de uma autoridade dos cúmplices de tantas reuniões, quando se dão a falar: “nada mais havendo”. O quanto de exclusão está carregado este ato de escolher o que deve haver e o que não deve haver. Esta é a função das instituições, como afirma Foucault, quando se está a instalar algo, quando está a cuidar do que foi instituído, quando se quer recortar um campo de projetos, em detrimentos de outros, quando se instaura na ordem definidora de uma perspectiva, que se quer como legítima para o sujeito de conhecimento, toma-se da necessidade de optar pela fixação de normas para elaboração de conceitos e teorias[2]. Cada uma delas, supõe, então, um jogo de prescrições que determinam exclusões e escolhas. Nada mais pode haver, e para que se possa um dia nada mais a haver a não ser o conjunto de prescrições que um sistema discursivo entende como o caminho verdadeiro. E no caso do Brasil no início do século, já em outra fase de um discurso que aparece com força acentuada na efusividade republicana do final do século XIX, toma importância que se determinem, exclusões e escolhas. Dá-se a entender que o ato de falar nada mais havendo, foi, como afirmou Nietzsche, autorizado, após uma longa origem de derramamento de sangue daqueles que agora necessitavam incluir nos jogos de domínio, de forma a garantir sua governamentalidade. Para tanto assim se expressava:“esforce-nos todos para que o estudo de história nacional se torne um curso de civismo, uma fonte permanente e inexaurível de entusiasmo, fortaleza e animação”.


[1] FOUCAULT, M. 1926-1984. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982).
[2] FOUCAULT, M. 1926-1984. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982).

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