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sexta-feira, abril 28, 2006

PORQUE NÃO VIVO, POSTO ESTAR VIVO?

Aqui poderíamos viver, posto que vivemos.
Niestzsche

Viver seria um estado de realizar constantemente a ação humana. Este real fruto da ação é que coloca nosso ser como um sendo-no-mundo. A ação é um estado-estágio que garante a instantaneidade do ser deste mundo. Sua realização em relação com outros homens lhe garante um sentimento de pertencimento que é como um lago em que tem que mergulhar para poder sentir-se nele. O mundo é feito destes vários lagos que chamamos de cultura em sociedade. Cada qual constrói sua racionalidade que é uma condição desse pertencimento ao mundo. A atualização deste viver se dá simultaneamente com as ações, ou melhor, através do mergulho nas suas águas. Este ato modifica o lago e faz modificar o mergulhador. Então voltemos ao pensamento de Nietzsche. O que fez com que ele criasse algo parecido com uma redundância ao afirmar que poderíamos viver posto estarmos vivendo? O que ele está tentando nos alertar com isto? Como pode dizer que poderíamos viver e ao mesmo tempo dizer que isto se torna possível pelo fato de que vivemos. Será que a vida é algo absoluto, fundamentado e que tem uma origem essencial que devemos buscar para que possamos vive-la de forma perfeita? Há alguma forma perfeita de vida que ficou para traz e que necessitamos busca-la de volta, recupera-la, resgatá-la. Será que ela poderia ter sido deformada, degeneralizada com o uso errôneo feito pelos homens? Será que a forma com que está sendo usada é mera aparência do que foi em sua essência em seu passado? As tentativas de busca de uma forma perfeita de vida deveria passar pela aprendizagem da maneira certa de viver que se encontra no passada em suas origens primordiais e que a educação deveria cumprir o papel de ajudar-nos a recuperar uma qualidade que está oculta e que precisamos desvelar, descobrir?
Se entendermos que as coisas não carregam sentidos por si. Se entendermos também que as palavras não têm sentido por si. Ou seja, como afirma Foucault em As palavras e as coisas, que o sentido não está nem nas palavras e nem nas coisas, então onde é este lócus em que se forma nosso entendimento das coisas? Não seria nas práticas discursivas que produzem objetos. Então se não atentarmos para o fato de estarmos vivendo uma vida que foi inventada pelas práticas humanas de lidar com os conceitos vendo-os como verdades, como se fossem naturais e que teriam vindo de uma tentativa de aproximação com a essência original da vida, não estaríamos vivendo o mundo do dito, ou seja, do que foi dito por outros e que nós acreditamos piamente? Então não estaríamos apostando nossa vida tão curta nas mãos de jogadores que consideramos mais competentes pelo fato de entendermos, ou nos vermos como um jogador fraco e sem qualidades de correr seus próprios riscos se jogando na experiência do jogo?
Então em que estado ou lugar se encontra o sentido? O que seria sentido? Às vezes nos contentamos com a utilização dos substantivos sem atentar de que eles são derivados de verbos. Se entendermos que os verbos ao se tornarem substantivos se petrificam e passam a funcionar com moeda de troca anulando nosso impulso sensitivo que fica preso a conceitos neutralizadores do desejo de realizar-se, fazendo-o numa nova distribuição em que nós apenas nos limitamos a “viver”, a partir desta funcionalidade, sem tentarmos estranhar sua familiaridade perigosa. Seu perigo reside justamente pelo fato de ele colocar nosso desejo de forma inofensiva, transformando o que teríamos de impulso em algo controlado, amansado, domesticado, fruto de um empuxo que passa a ser visto por nós como se fosse tudo que temos para realização do nosso desejo.
Nietzsche revolucionou o pensamento ocidental, principalmente quando sua obra Para uma genealogia da moral, foi estudada por alguns pensadores ocidentais a partir da crise da Razão ocidental no pós-guerras. Ele nos fala de um desejo que foi tolhido por uma moral ressentida a partir do escravo que ao se sentir dominado militarmente pelas forças romanas acenou para uma interpretação que transformou o sentido guerreiro de bom, em formas passivas que materializou com o conceito de humilde. Giacóia Junior em sua publicação para um público juvenil, de um estudo da obra de Nietzsche, traz uma interpretação importante para discutirmos o conceito de vida, que este pensador alemão, do século XIX, nos quer alertar sobre a forma como nos vemos, a forma como fazemos de nós mesmos e fazemos com os outros com o que fazem de nós mesmos. Ele nos reporta aos tempos “primitivos” em que iniciava-se as guerras tribais chamadas de “guerra justa”, em que entendia-se que a tribo perdedora deveria ser submetida aos desejos e necessidades da tribo vencedora. A partir daí a guerra deveria continuar através da introdução da política como a manutenção da guerra ou de resultado da guerra. Era preciso fazer com que o botim da guerra fosse adquirido fazendo com que os perdedores se incluísse na sociedade vencedora como forma a possibilitar sua exploração. Portanto a guerra sobre o perdedor será agora feita de forma política. Fazer com que entendam-se como integrantes da sociedade apagando a noção de submissão. Através da inversão da teoria de Claussevit, que entendia a guerra como continuidade da política por outros meios, Foucault em suas aulas que foram publicadas como Em defesa da sociedade, afirma, ao contrário que a política é a continuidade da guerra por outros meios. Portanto toda sociedade é instituída politicamente para garantir de forma persuasiva, tida como “pacífica”, as vantagens adquiridas de forma violenta e sanguinária. É essa massa cinzenta do passado que Nietzsche conclama a ser examinada.
Portando voltando à questão da vida, o sentido que a compões passa pelas construções de significados que atendem à demanda da política. O que existem são políticas que instituem dispositivos de reinserção dos impulsos, transformando nossos desejos em desejos amansados e redistribuídos numa rede que impede os livres fluxos dos nossos atos de sentir-se e coloca-nos a seu serviço, educando as outras gerações a se inserirem no mundo a partir de uma guerra politizada a serviço de um centro que nos fecha à vida.

Odemar Leotti
Foto:www.chabad.org.br/datas/pessach/historia/imagem/02g.jpg

4 Comentários:

  • estou vivo sem saber porque estou. logo nao sei de minha vida

    Por Anonymous Anônimo, às 9:30 PM  

  • Dema,
    Um texto de Toni Negri "O pensamento que resiste a ordem" estabelece um diálogo rico com este belo texto que vc nos presenteou no "nosso" blog. Enviei a referência pelo seu e-mail.

    Por Anonymous Anônimo, às 7:21 AM  

  • obrigado rachel. leia um que saiu agora. ta quentinho do forno. opa. nao é nada do que tá pensando. nao é de cremação. é da dona Benta. bem nosso do nosso chaozinho do mato. obrigado pelo "nosso".

    Por Anonymous Anônimo, às 10:23 AM  

  • o anonimo é o odemar

    Por Anonymous Anônimo, às 10:24 AM  

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