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terça-feira, março 28, 2006

LOLA FOI EMBORA


Lola sentia-se ela, e não ela. Sentia-se aquecida e tremia de pavor. Ansiedade e repulsa. Vontade de ir e medo de ficar. Medo de ir e vontade de ficar. Vontade de não ficar e medo de não ir. Eis Lola. Parava para pensar direito, por a idéia em dia. Todos os dias ela passava beirando o pecado. Queria, mas não ia, mas quando não ia, acabava indo. Algo a arrastava para frente e para traz. Entre um larga de ser boba, e um toma cuidado. Nesse domínio do ser é que Lola tocava sua vida. Um marido ausente e presente. Mais do que nunca presente. Um marido impessoal rondava sua morada. Essa morada parecia ser sua... Parecia. Mas sua morada era rondada por multiplicidades que dobravam um texto sobre outro texto e ela tinha que se entender com essa parafernália de vozes cruzando com vozes. As que formavam o labirinto-marido, as que formavam o devir-arvore, e sua fábrica de fidelidade às palavras, e as infidelidades do corpo. Lola por mais que queria esquecer daquela sensação estranha que tomava seu corpo sentia-se traída por suas mãos alisando a sedosidade do vestido planando as suas curvas e quando dava por si, quando escapava desse silêncio via-se atacada por uma matilha de lobos que devoravam seu cérebro e os mastigavam babando frente ao olhar estupefato e pasmo de um corpo estraçalhado por um turbilhão de palavras que entre vai e fica tornava a ela um terceiro espaço. Lola cantarolava uma canção inaudível. Nem ela sabia porque cantava, mas sentia a necessidade de cantar. Corria para o quintal, precisava ver gentes, precisava ouvir vozes que a tirasse daquelas paredes cruéis que ela aceitou e não quis. Parece que fugia de um carnaval de monstros que a atormentava e fazia com que dificultasse a espera e a manutenção dos conflitos da carne. Por mais que queria estar habitada no silêncio, suas paredes tornavam como que nada perante o bloco de figuras difusas que invadia seu casulo tão fragilizado. Dialetos, patoás, gírias todos constituíam esse pesadelo, e a fazia como um ente. Nada disso se via em seu rosto, da pele pra dentro, da pele pra fora, tudo estava encoberto por um sorriso curto, ou largo. Mas nunca deixava frestas para o olhar desavisado. Não gostava de dar o braço a torcer. Construía uma linguagem de face para persuadir os olhares a vê-la como uma mulher normal. Como que querendo contrapor uma multiplicidade de invocações que teimavam roubar seu elo com um centro, e a molestavam, ela constituía uma língua como que para se fechar aos dizeres, fechar sobre si mesma e alimentar-se no espaço funcional de sua impotência perante o não realizável e não dizível. Se inexistia para ela algo que a firmasse em seus desejos secretos inexistia para ela também, viver às claras com as pseudo-existências que tinha que aceitar. Não era nunca ela que decidia. Jurava de noite, e chorava de dia. Era esse caos-sentimento esse devir entreaberto a uma dualidade que se apossava de sua vida. Lola então ia embora e voltava. Voltava com vontade de ir rapidamente, mas precisava ficar, eles assim queriam. Ia com medo, mais ia. Nesse espaço estratificado em que se demarcavam os lugares de cada um tornara-se um espaço quase impossível de se transitar seus sentimentos, e poder ainda adoçar seus sonhos com um pouco de fantasia. Sonhava com as férias, com aquele passeio de fim de ano. Fugia para o passado, e lembrava como era bom seu namoro. Seu corpo parece que se tornava desaparecido durante essa viajem estelar. Nem via o que se passava por perto, mal percebia o olhar do seu vira-lata guardião e companheiro na dor. Também preso a uma corrente sentia um devir-esperança da elasticidade daquela corrente. Lola aos poucos voltava a si e lembrava do pequeno espaço de manejo em que vivia confinada.Espaço esquadrinhado, extensão dos dizeres com seus constructos e construtores conselheiros emiurgos. Ali nessa área configurada ela estendia seus desejos e levantava seus castelos. Um belo dia amanheceu desvanecida de imaginações, sem mais nada a inventar. Era uma sensação de amargura, depressão e angústia. Nesse dia ninguém mais pode ver aquela mulher que espera sempre um homem que um dia viria para vê-la. Parecia que as coisas não mais iam se suceder. Sua ponta de esperança se esvanecia. A tarde caia, e era nesta hora que mais amarga tornava sua solidão. Lola foi embora.
Odemar Leotti
Fonte(foto)http://images.google.com.br/imgres?

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