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segunda-feira, maio 29, 2006

AÇÃO E LINGUAGEM COMO ABERTURA DO MUNDO:Odemar Leotti

Tem gente que diz “nós vamos” E não sabe para onde vai. Tem gente que diz “nóis vai” E sabe para onde ir. Carlos Valter Porto

A tentativa, mesmo, de reescrever o mesmo, da mesma forma que a anterior, num período que garanta um lapso de tempo, pode parecer sem modificações, porém eles não soarão a mesma coisa. Como diz Borges, quando escreve “Pierre Menard, autor de Quixote”, segundo Manuel Costa Pinto, em Informe de Borges (Revista Cult, agosto de 1999). Para Borges, as duas escritas de Quixote “são absolutamente iguais, mas sugere – absolutamente diferentes, pois o momento da escrita cervantina e da leitura e reescritura por Menard diferem totalmente, cada palavra é modificada pelo contexto irredutível de sua recepção e, sendo assim, de sua recodificação. Portanto, as palavras se tornam ferramentas imperfeitas para aqueles que se auto - intitulam descobridores de verdades e seus mantenedores em sua, pretensa, rigidez cadavérica. Cada apropriação submete o texto a uma leitura anacrônica, fora do espaço e do tempo. Uma mesma forma contaminada pelo tempo e seus construtos contextuais em toda sua cumplicidade imanente”.
Assim, a indicação de que, ainda que seja de uma única oração, entra em jogo todo um complexo processo de percepção da totalidade, estabelecendo-se, deste modo, uma tensa relação com a particularidade. E esta tensão não se dá apenas em termos espaciais, isto é, no modo de organização especificamente gramatical dos termos da oração, mas temporais, de tal maneira que a compreensão termina por solicitar o envolvimento, num só ato de leitura, de cronologias diversas de uma única organização psicológica pela qual se perfila o leitor.
O sonhar com algo tem a necessidade de se apropriar do que é o oferecido no mercado dos fundamentos. O aparelho perceptivo não recebe tratamento de forma eqüitativa como modelo padrão de percepção. Isto não diminui a qualidade de uso do bem adquirido pelo simples fato de cada aparelho receptivo se utilizar de ferramenta criada na dificuldade de uso de um modelo genérico e considerado, isto sim, de forma infeliz, como forma certa de escrita. Entendendo como uma transcrição da fala, a primeira e mais sensata forma de escrita é a que acompanha ao pé da letra o som de sua forma oral. Esta forma prática de aquisição da escrita é feita a partir dos instrumentos que cada usuário obtém no mercado da educação. Se ele parasse de agir pelo fato de não ter as ferramentas próprias para se utilizar para o uso da escrita, ficaria impedido de realizar seu desejo de exercício de sua homenagem, no caso que ora evidenciamos, à seleção. Ao me apoiar em Jorge Luis Borges, em um literato de renome como João Alexandre Barbosa, o faço para partir em defesa do autor do quadro pintado na parede sem reboco, que quis com isto constituir o espaço de festa da copa do mundo.
Diria que ele não foi infeliz, ou feliz, porque sou um homem em toda sua limitada sabedoria. Dizer que ele é infeliz poderia sim ser de uma infelicidade sem tamanho. Quem somos para adivinhar o que passava no seu pensamento quando escreveu sua homenagem à seleção? Golo Man, filho do famoso escritor, prêmio Nobel de Literatura Thomaz Man, ao afirmar que estava estudando cartas e diários de alguns personagens durante um certo período do passado, foi interpelado para responder se estava estudando o pensamento destes personagens. Respondeu afirmando que o máximo que conseguiria era estudar suas cartas e não seu pensamento, haja vista, a impossibilidade de um humanóide ter estas pretensões. Portanto, fica descartado saber o grau de felicidade desse autor da escrita diferente da norma que se quer fixa. Não posso esquecer que parece que a intenção do texto foi colocar infeliz como uma forma jocosa, pejorativa, como que aludindo ser uma desgraça escrever conforme fala.
Isto nos remete ao estudo do sistema de pensamento ocidental e de sua prisão a uma essência verdadeira. Seria de bom tamanho o estudo da obra de Jean Pierre Vernant, A história do pensamento grego. Nesta obra o autor mostra a escrita como forma de exercício de poder. Logo foi graças à libertação de uma escrita presa aos escribas do período micênico. Nesta fase do pensamento ocidental, a escrita era de ordem privada. Ficava restrita aos escribas que a aplicava a serviço do soberano. Ficou patenteado por arqueólogos que ao ser encontradas duas placas lineares em tempo e espaço diferentes, com um lapso de 150 anos, notou-se que não houvera nenhuma modificação na escrita. Só com o passar de mais de 600 anos é que a escrita foi sofrendo modificações pelo fato dela ser cada vez mais utilizada. Ou seja, com a crise da soberania, a escrita foi sendo utilizada pelos ex-vassalos do soberano em conjunção tensa com os aldeões. Gradativamente constituiu-se uma forma mais democrática de seu uso, como forma de definir e determinar o destino de seus usuários. Estávamos no período de apogeu da pólis. Portanto fica entendido que a abertura da escrita garantiu a abertura das decisões sobre o destino das pessoas através de uma escrita que abriu o mundo, suas perspectivas e com elas a libertação de um mundo micênico que impedia a liberdade da escrita. Estávamos no período entre 700 a 600 anos antes de Cristo. Com a crise da pólis, surge um tipo de saber dos filósofos que procura destituir a escrita do seu lugar de construtor da poética de embelezamento da vida. Começa a nascer no ocidente algo que vai alimentar todas estas pseudo-felicidades, de que o certo é, o preso a uma estrutura e o errado é o que tenta utilizar das coisas de acordo com suas ações. Estávamos em uma transição do período em que a escrita estava a serviço da vida, do seu serviço como constituidora, como fertilizadora do terreno em que se fluiria a vida. Em seu lugar começa a nascer à idéia de que a palavra representa a imagem do real e não o real. Começa a busca desesperada de manutenção de uma origem verdadeira e da luta e vigilância para que nada se degenere. Estava nascendo um tempo em que nos iniciávamos em um exercício de subordinação à verdade essencial e original. Passamos então de uma escrita a serviço da vida para uma vida a serviço da escrita. Mal percebemos que em nossa pressa de agirmos em defesa desta origem não vimos que o mais importante é a vida, a alegria, a comemoração e não o impedimento de qualquer um utilizar-se da escrita de acordo com suas posses das ferramentas, que não são as mesmas para quem desde novo foi usado para lutar para a sobrevivência de sua família nesta selva eivada de egoísmo e preconceito. Mas sabíamos também que o que caracteriza o ser é sua propriedade interpretativa e criativa. Portanto o que vai diferir entre um higienizado e bem polidinho “RUMO AO HEXA, de um tido como infeliz cidadão, que escreveu no muro dele e de ninguém outro, RUMUAL ÉKISA, será a forma de apropriação do espaço para a sua festa. Se nos basearmos num mundo platônico do errado/certo, do falso/verdadeiro, do essência/aparência da virtude/pecado e de tanta moral definidora da vida, deixaremos de ver o ato de coragem de alguém que não escreveu com a ferramenta dada pelo sistema educacional e sim com as ferramentas de sua comunidade. Em tempo, são estas pessoas que não adquiriram o saber dos iluminados que fazem músicas tipo As rosas não falam. São estas comunidade que fazem surgir poetas admirados e respeitados com Adoniran Barbosa que faz a intelectualidade alcoólatra e boêmia cantarolar nas madrugadas dos bares algum assassinato da língua tipo assim “nóis vortemos cuma baita duma reiva, da outra veiz nóis num vai mais,nóis num semos tatu. Outro dia encontremo com o arnesto que pidiu descurpa mais nóis não aceitemos” Pois é, talvez se esta comunidade fosse educada nos estabelecimentos de ensino considerados como o lugar dos saberes lapidados pela ciência, eles não conseguiriam produzir as poéticas que nos dão algum sentimento de ser brasileiro. Isto acontece muito mais quando ouvimos um repique de tambores do que quando sentamos a bunda num banco escolar ou num destes lugares em que a comunidade não entra. Em tempo, ontem houve um suicídio de um professor de gramática. Que pena!

2 Comentários:

  • obrigao julio

    Por Anonymous Anônimo, às 5:09 AM  

  • Deixa eu ver se eu entendi. Vc acha mais produtivo ficar tocando tambor que ir à escola?

    Os 2500 anos de cultura ocidental não valem nada. Para que estudá-los?

    PS: me corrija se eu entendi errado seu texto.

    Por Blogger O Direitista, às 6:27 AM  

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