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domingo, fevereiro 28, 2010

HISTÓRIA DA AMÉRICA VIVA

HISTÓRIA DA AMÉRICA VIVA


HISTÓRIA AMÉRICA

Odemar Leotti[1]


“. . . A mi solo me mataréis, pero mañana volveré y seré millones”
Tupac Katari

Crise dos paradigmas e a história
Devemos pensar um pouco na crise das relações dos homens com a terra em que estão destinados a viver e de suas necessidades, conseqüentemente, de constituí-la como mundo[2]. Pensar isso requer que pensemos as formas que foram encontradas para significação da terra em mundo. Em cada contingência histórica, cada qual à sua maneira, e, em cada espaço onde os homens e mulheres se reuniram em grupo, foram criadas formas de vivências. Para tanto foi necessária a utilização da linguagem como forma de construções dos sentidos de mundo que teve como conseqüências a formação de comunidades pensantes e formadoras de modalidades diferentes de comunicações no tempo e no espaço. Para sua rememoração e continuidade de uma identidade cultural foi preciso em cada uma dessas culturas manter uma forma de mensagem para que através de suas fabulações fosse passado o saber vigente para a formação de novas gerações e com isso a manutenção da reprodução cultural de cada grupo cultural. Devemos saber que o radical sage vem do latin que quer dizer fábula. Logo mensagem seria a forma de passar para a frente as fábulas do entendimento de vida de cada comunidade cultural. Então seria bom pensarmos se ainda existem essa forma comunitária e se postitivo, como elas devem estar sofrendo para manter viva a chama cultural de cada uma de suas comunidades. Ao mesmo tempo devemos pensar nos nossos meios de comunicação e antes de tudo atentarmos para o fato de que essa palavra provém do que é comum a todos, ou seja, a fábula que nos faz entender como vivente, como pertencentes a alguma forma cultural. Se é assim então deveríamos procurar problematizar o papel dos meios de comunicação e ver se eles estão cumprindo o papel de passar para as próximas gerações os saberes anteriores de forma que possam manter nossa identidade e nos intrumentalizarmos com eles para produzir o novo a partir desses saberes, ou dessas fábulas, dessas sages. Então mensagem passa a ser uma coisa mais importante do que imaginam os senhores proprietários da grande imprensa ocidental, ou seja, utilizar seus meios de comunicar para o bem dos seus comuns.
Porém o mundo ocidental, ou seja, a forma cultural que prevaleceu na Europa provinda da cultura mediterrânica principalmente a cultura grega, nosso considerado “berço” cultural, tomou uma forma a partir do século IV que colocou em perigo a estabilidade das múltiplas formas de relações culturais existente, tanto internamente a essa cultura quanto às múltiplas formas de identidades culturais espalhadas pelo planeta. Obedecendo a uma forma unívoca e se inspirando em um ideal ascético, essa forma cultural teve no renascimento e depois no movimento ilustrado do século XVIII a produção de formas culturais que ao entrar no século XIX consolida-se com o movimento cientificista o total desarranjo cultural tanto internamente à Europa quanto sua proliferação desterradora por todo o recôndito da terra onde houvesse alguma forma cultural por mais tênue que pudesse ser.
Vendo o quadro como atualmente se encontra o mundo e principalmente nosso continente podem notar o quanto é preciso colocar em discussão a situação cultural e como no nosso caso debater o papel da historiografia com relação a tudo isto. Começamos esse estudo mostrando algumas preocupações atuais quanto ao papel da escrita e as formas como a comunicação se distanciou do seu papel de mensageiro cultural de cada povo e cada qual com sua escrita. Não devemos nos esquecer que apesar do modelo ocidental tentar destruir todas as formas culturais e com elas suas formas mensageiras, não ofereceram em troca outras maneiras de enunciações que formassem discursos proliferadores de condições salutares a cada cultura, nem à sua própria forma cultural (vida a persistência em destruir outras formas culturais, como no Iraque por exemplo).
O que vemos hoje são autocríticas do setor jornalístico de um lado e de outro lado vemos o ressurgimento de formas de luta dos povos de várias partes do mundo, juntando o que sobrou das suas culturas contaminadas com as formas culturais que foram obrigadas a se submeterem, que mesmo parecendo terem sido dizimadas, ou como queria a antropologia, entender que elas foram “aculturadas”, eis que aparecem como saberes um dia assujeitados e que atualmente surgem de forma insurrecionais. Com a crise do poder da escrita transcendental iluminista-platônica e de suas ramificações liberais e marxistas, o poder da escrita de cada cultura ressurge como que a busca de reencontro do mundo e quem sabe para todos nós.
Tendo experimentado, desde os tempos da conquista e de sua colonização, toda forma de tentativas de subordinação, essas culturas sempre tiveram seus interesses subestimados e colocados abaixo dos interesses de minorias de origem européia. Com isso resultou um quadro de destruição física e cultural de todos aqueles que tinham suas escritas como formas de sentido de vida. No século XIX, esses povos sofreram a assalto de duas formas contrapostas de libertação. De um lado o modelo liberal e de outro o modelo marxista. Presos a formas transcendentais de busca da essência humana, esses movimentos deixaram pouco espaço para as formas plurais de cada povo que existia por todo planeta. Porém, como afirma Deleuze, as relações imanentes se contaminam e formam uma outra escrita, cada forma cultural foi tecendo uma nova escrita com o que ficou delas emaranhando-se com as formações discursivas que formaram de seu cruzamento com outras formas também submetidas ao saber europeu e aos próprios discursos dos europeus. Se podemos dizer que com a gradativa destituição de suas formas comunitárias cada uma dessas cultuaras tiveram que exercitar-se num labor infinito no intuito de manutenção de seus valores culturais, por outro lado foram vítimas de meios de comunicação que nada tinha que ajudasse para a continuidade das formas múltiplas de relação com a natureza de cada uma das culturas que sofreram sob sua senda jornalística destruidora dos valores milenarmente constituídos e mantidos. Hoje o que vemos é uma série de autocríticas de agentes desses meios de comunicação, tal qual observamos no artigo de Luiz Gonzaga Motta[3].
Na sociedade ocidental contemporânea há uma hipertrofia da palavra, e o jornalismo é, pelo menos parcialmente, responsável por ela. O jornalismo vem continuamente se omitindo na denúncia do esvaziamento dos debates das grandes questões da sociedade e se modernizando pelo pior caminho, aquele do entretenimento vulgar. Jornais e revistas, tanto quanto o rádio e o telejornalismo, estão cada vez mais levianos, valorizando o banal, o prazer fácil e a superficialidade. Pior ainda, as reformas mais visíveis estimulam novas formas de imediatismo e de empirismo, que consolidam a incapacidade de nossa sociedade em expressar e debater em âmbitos mais coerentes e saudáveis as relações dos homens com outros homens e com a natureza.
Como nos fala o crítico literário franco-americano George Steiner, é por meio da palavra que o homem se libertou do grande silêncio da matéria, e para exercer o ¨ofício de homem¨ e dar consistência à vida é preciso construir uma gramática da esperança que afaste a barbárie que nos rodeia. Ou ainda, como complementa o antropólogo catalão Lluís Duch, a cultura ocidental entrou em uma crise do significado que a levou a uma ruptura da aliança entre palavras e mundo. Entramos em um ¨tempo posterior¨ da palavra em que a linguagem é limitada, empobrecedora da realidade pluriforme, redutora à mera facticidade, expressando cada vez menos a imensa capacidade do homem de criar, de imaginar fantasias, desejos e utopias. Esta é a crise à qual nós, jornalistas e estudiosos da comunicação jornalística, devemos de fato nos preocupar. A grande crise do silêncio contemporâneo, por mais que expressemos banalidades.

Lembrando o início de seu parágrafo, a afirmação de que “na sociedade ocidental contemporânea há uma hipertrofia da palavra”, poderíamos estar tendo a coragem de problematizarmos a forma historiográfica com que lidamos com o passado e tentar pensar se ela também não estaria hipertrofiando ou não a palavra que nos traz a memória do passado. Será que essa forma tradicional totalmente distanciada dos problemas atuais, não estaria causando hipertrofia nas formas de lidarmos com o presente e sua relação com o passado? Será que não estaríamos nos tornando obsoletos e inócuos como guardiões da memória e não seria isso o fato das crianças nas escolas não darem a mínima para o que o professor está ensinando em sala de aula? Será que a busca fora da escola de formas de entendimento do mundo, como é o exemplo do movimento Hip Hop, ou mesmo as escolas constituídas pelos movimentos indígenas na América espanhola, não resulta da distância entre as formas de vida que se colocam à frente de cada um e a forma tradicional de ensinar história? Fica para cada um mastigar esse insosso prato que a realidade nos oferece de forma amarga ou mesmo em nenhum prazer quanto a sabor. E por falar nisso a palavra saber provém da palavra sabor, como nos afirmou Roland Barthes. Então porque as palavras tomaram formas tão distantes da vida como forma de prazer e nos trouxeram formas violentas como resultado de suas características autoritárias e desencarnadas? É bom lembrar do texto de Antonin Artaud, de 1938, quando ele nos alerta para o seguinte:
Se, falta enxofre à nossa vida, quer dizer, se lhe falta uma magia constante, é porque nos apraz contemplar nossos atos, e nos perdermos em considerações sobre as formas sonhadas de nossos atos, ao invés de sermos impulsionados por eles. E esta é uma faculdade exclusivamente humana. Diria mesmo que é uma infecção do humano que nos estraga certas idéias que deveriam permanecer divinas, pois, longe de acreditar no sobrenatural, o divino inventado pelo homem, penso que foi a intervenção milenar do homem que acabou por nos corromper o divino. Todas nossas idéias sobre a vida têm de ser revistas numa época em que nada mais adere à vida. E esta penosa cisão é motivo para as coisas se vingarem, e a poesia não está mais entre nós e que quando não conseguimos encontrar mais nas coisas a vida, eis que ela reaparece, de repente, pelo lado mau das coisas; e nunca se viu tantos crimes, cuja gratuita estranheza só se explica por nossa impotência em possuir a vida. [4]


Será que isto não estaria acontecendo com nossa forma de trabalhar o conhecimento histórico. Será que o conhecimento é algo que já vem pronto ou ele deve ser fruto da construção de cada geração? Se é a primeira opção então devemos ficar preso a um mundo já inventado, no nosso caso, devemos passar o conteúdo da ementa sem estranhá-lo. Porém se acreditamos que devemos formar historiadores que produzam junto com seus estudantes conhecimentos que produzam vida na forma infinita do ser do instante precisamos por em questão os modelos que nos mostram conhecimento como se fossem as verdades absolutas e inquestionáveis. E olha que o referencial de tudo é a realidade triste que está se formando em termos de vida em nosso planeta. Uns morrem por não ter o que comer por terem sido impedidos de viverem em suas formas comunitárias anteriores e que ainda lutam para retomarem suas escritas, suas línguas, ou seja, o oceano de vida onde possam navegar, mergulhar e sentir uma salubridade de vida. Outros morrem tendo tudo dos outros na mão, mas se pegam como um pequeno rei Minos onde tudo que toca vira ouro e também morre da mesma maneira. O que presenciamos em nossos dias é a crise dos modelos ascéticos transcendentais e o ressurgimento de saberes que foram silenciados mas que não pararam de existir, mesmo em sua forma latente. Buscar o que nos foi colocado como conteúdo seria construir um caminho metodológico inspirado nos Annales, ou seja, fazer uma história problema. Problematizar o presente e aí sim ir ao passado. Não fazer do texto histórico um passado, mas sim uma construção, entre tantas, sobre o passado. Para isso propomos requisitar algumas dessas contingências históricas e fazer uma releitura da América a partir da experiências de cada uma das culturas escolhidas e de suas relações imanentes com os saberes dos colonizadores e procurar contribuir para uma discussão mais ampliada sobre a emergência de tantos nomes políticas ligados aos saberes indígenas ou fruto da condensação de tantas formas discursivas e da materialização do nosso tempo presente. Justifica-se esse procedimento pela preocupação em vermos esses acontecimentos serem rotulados por discursos que se proliferam por falta de análise mais séria ou por pura leviandade, como tem acontecido na grande imprensa, inclusive com rubrica de alguns de nossos queridos “historiadores” brasileiros. Ao trabalharem no limite do discurso do sujeito histórico, deixam de lembrar de ter mais cuidado em fazer uma leitura mais densa, como por exemplo o estudo dos movimentos sociais que já de experiência discursiva que foi e continua se montando e desmontando numa orquestração descontínua. Querer reduzir a análise ao discurso já desbotado tipo, “populista”, “esquerdista”, entre outros é colocar nossa profissão a serviço de destituição dos saberes assujeitados e pretensamente silenciados, pelo discurso da grande imprensa. Em nada contribui essas formas produzidas por historiadores de plantão com espaço na imprensa a serviço das elites que atrasam a livre autonomia dos povos.
Para tanto gostaríamos de trabalhar nosso curso, buscando as formas de lutas com as quais estamos testemunhando no momento e a partir da pesquisa sobre alguns desses movimentos, colocar como essas culturas se defrontaram com as várias fases de dominação empregadas no passado. Com isso trabalharemos o “conteúdo”, mas de forma viva e a partir de onde a vida ainda pulsa. Ou como afirma Foucault, uma história que deixe emergir a frêmita vida.

Do conteúdo programático e da busca do passado.
Ao trabalhar com conteúdo do ementário, queremos dar a ele a dignidade de sua atualidade e logicamente dar um princípio que o coloque na problematização dos temas atuais da América. Portanto os três momentos importantes da América, ou seja, período da chegada dos europeus, da assim chamada “conquista” e da colonização, dos movimentos de independência, e das experiências das tentativas de consolidação da experiência republicana liberal e das tentativas da implantação da proposta referenciada nos modelos do marxismo-leninismo ou do maoismo. Para tanto nos apoiaremos nas atualizações, ou seja, na realidade do vácuo deixado por essas experiências anteriores e das apropriações do passado histórico pelos movimentos indígenas do tempo presente. Para isso o curso estará organizado da seguinte maneira.

[1] Odemar Leotti tem Mestrado em História pela UNICAMP. Atualmente é professor efetivo da UFMT-Rondonopolis-MT.
Este curso pretende sair do lugar comum de uma história mecânica e obsoleta e deslocar-se para uma história onde o presente seja o foco para a problematização do passado. Portanto partirá da busca por nós (docente e acadêmicos), do estudo sobre os movimentos sociais emergentes na realidade presente da América. Faremos contato pela net com sites desses ou a serviço desses movimentos e tentaremos colocá-los a par de nossos estudos, procurando manter um elo entre nosso curso e os movimentos como troca de saberes. É uma experiência que busca inserir os acadêmicos a par da situação e quem sabe voltar os olhos para a realidade mais próxima deles e começar a fazer alguma coisa. Abraços e estarei mandando textos que produzirei durante o curso. Este texto que envio é o começo de um texto que se prolongará durante o curso e como resultado das leituras de textos e resultantes da pesquisa. Abraços e estamos na luta por uma história viva onde o sangue esteja pulsando. As veias da América não estão abertas, ela pulsam. Abraços do Odemar. Meu email é leotti.odemar@gmail.com em breve abriremos um blog do curso e enviarei o link para todos que queiram acompanhar a experiência.
[2] Este aspecto é estudado por Gianne Vattimo, em sua obra O fim da modernidade.
[3] Jornalista e professor de Comunicação da Universidade de Brasília, atualmente na Espanha para pós-doutorado.

[4] ARTAUD, Antonin. O teatro e seus duplos. São Paulo: Editora Max Limonad ltda, 1984.

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