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domingo, abril 06, 2008

VOZES ESTERILIZADAS - Odemar Leotti

O equilíbrio é a morte do encanto da dúvida que possibilita o inesperado. O inesperado é o ponto de fuga do vazio monocórdio. A vida amorfa me persegue e faz do meu corpo um despojo. De tantas vozes, de tantos apelos, de tanto dizeres. Eu e meu corpo vivemos nos olhando por essas grades que determinam nosso jogo da sensualidade. Corpo demarcado, marcado, territorializado, onde me torno ser estrangeiro de mim mesmo. As mãos vivem na angústia da espera da ordem. De ato em ato, de gesto em gesto essa mesma mão já não diferencia o que é seu e o que são signos naturalizados. Passa a habitar em seus poros, se espalham sutilmente pela pele, pelos músculos e tem-me já como seu advogado e como seu propagador. Propaga a dor tornada vida normatizada. Eis o lugar que me honra. Eis meus espaços onde pode proliferar meus eternos começos: confessados, confiscados, esterelizados e analiticamente sistematizados. Tirado o poder absoluto de todos os signos em suas singularidades com tudo que tem cada um de estranho e perigoso, de seu tom ameaçador por seu poder ameaçador. Foi preciso domesticar, adestrar o que se pôde controlar na rede de saber e redistribuídos me faço homem neles, asséptico e livre de tudo que tinha de obstáculo à ordem, tornado útil a um saber totalizado e, portanto totalitário. A pele sofre de uma aridez do desafeto. Nada me impede fisicamente de relacionar-me com meus desejos, mas a grade invisível transpõe e prende meu espírito e comanda minha prisão, obsta meu ser, minha volúpia se desfaz, o rosto triste e desbotado se projeta para um além de não sabe onde. Um horizonte cinza se refaz e a embriaguez vai se enchendo de um remorso transbordante e perverso. Vozes, rostos, olhares e mais olhares desfilam perante um animal semi-abatido, proseado, portanto prostrado, situado no saber legalizado, solitário de si mesmo e à mercê de sua própria carência. Fuga de si, disfarce, máscara, eis o panorama de uma pele árida e ausente do húmus da vida em sua volúpia sensual. Esse exército de redistribuição do desejo começa a emergir e a tornar meu ser normalizado e útil. Inofensivo e adestrado a viver no deserto de si mesmo. Eis a imensidão existente num pequeno espaço chamado de um homem ali calado e com um olhar parecendo com a resignação, porém enfeitado com um sorriso igual de todos os dias.

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